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terça-feira, 26 de março de 2013

APOSTILA OU LIVRO DIDÁTICO?

APOSTILA OU LIVRO DIDÁTICO?



Livro didático ou apostila? O que funciona mais na hora de ensinar crianças do ensino fundamental? A polêmica existe há algum tempo, mas ganhou força recentemente depois que o Ministério da Educação (MEC) divulgou pela primeira vez quais cidades dispensaram o livro didático, oferecido gratuitamente pelo governo. Só no Estado de São Paulo foram 143 municípios - 22% do total. A maioria deles optou pelos sistemas de ensino oferecidos por empresas privadas como COC, Positivo e Objetivo, os mesmos usados em algumas escolas particulares.

O uso das apostilas, porém, está longe de ter aceitação unânime. Uma corrente de educadores as considera simplificadoras da realidade das aulas, com um possível efeito nefasto de "robotizar" os professores. Um poderoso argumento contra o sistema estruturado é que ele não é usado de forma abrangente em nenhum dos países com melhores resultados no ensino. Por que então seriam a solução no Brasil?


Essa discussão camufla o fato de que nem a apostila nem o livro didático, isoladamente, determinam se um aluno aprende mais ou menos. Há fortes indícios de que os sistemas de ensino funcionam por motivos que vão além da qualidade técnica. Nas cidades paulistas que usam o material apostilado há pelo menos cinco anos, o aparato que vem junto - e a forma como a rede se organiza para usá-lo - explica melhor por que algumas conseguem ganhar posições no Ideb. Esse aparato acaba organizando a casa: da sala de aula às estratégias de política pública da cidade. "A discussão que vale a pena é sobre a constatação do caos na escola pública", diz Paula Louzano, economista responsável pela pesquisa da Fundação Lemann. "Ele é tão grande que, com o mínimo de organização e um material minimamente estruturado - e às vezes de qualidade duvidosa -, os alunos aprendem mais."



Além de a apostila servir como uma espécie de currículo, cada aluno pode ter a sua.



Não é que as apostilas sejam excelentes - em muitos casos elas são fracas -, mas, em relação ao desastre do ensino em geral, elas se destacam. Para começar, as apostilas são usadas como plano de aula dentro das classes. O conteúdo é apresentado como um passo a passo, tem a linearidade que o livro didático não traz (porque é usado de outra forma) e de algum modo obriga o professor a não pular etapas. Junte-se a isso o acompanhamento que é feito pela equipe técnica das empresas de ensino e chega-se a uma fórmula que completa o que falta na formação dos professores.



"As apostilas norteiam meu trabalho, fica bem mais fácil planejar as aulas", diz Carla Bortoluci, professora de matemática para alunos de 5a a 8a série na rede municipal de Itapeva, São Paulo. Outra vantagem: fica mais fácil acompanhar e cobrar do professor a matéria que deve ser dada.



Além de a apostila servir como uma espécie de currículo a ser seguido, cada aluno tem a sua - uma "regalia" nem sempre garantida pelo livro didático. Primeiro, porque o número de livros entregue não bate com o número de crianças, já que o MEC se baseia no censo escolar do ano anterior para calcular a entrega. Segundo, porque o livro didático não é consumível em algumas das séries do ensino fundamental. Ele não pertence ao aluno. Por isso, não pode ser levado para casa. O livro fica na escola para ser usado por alunos de outro período. Com seu próprio material, a criançada não perde tanto tempo fazendo anotações no caderno e sobram minutos valiosos para prestar atenção no que o professor diz. Exercícios e lições de casa feitos na própria apostila ajudam o professor a enxergar falhas no aprendizado. "Eu tenho mais visibilidade de onde cada um vai mal, em comparação com o colega do lado", afirma Carla. "E a partir daí vou procurar exercícios extras ou outras atividades para reforçar a lição, sem precisar ficar presa na apostila."



Mesmo quem usa o livro didático aponta a vantagem de ter uma apostila por aluno. Diadema, cidade da Grande São Paulo que optou pelo livro didático, decidiu desembolsar dinheiro para comprar livros extras, de modo a complementar a encomenda do MEC e distribuí-los a todos os alunos (mesmo pagando até cinco vezes mais do que o MEC paga s por livro). "Anotações no caderno geram perdas pedagógicas significativas, porque interferem na organização do tempo da aula", afirma Lúcia Couto, secretária de Educação da cidade.



Fora da sala de aula, o sistema de ensino ajuda a organizar a política de educação das redes, que muitas vezes não têm planejamento claro e objetivo. Um dos principais motivos dos gestores das redes para adotar as apostilas é fazer todas as escolas trabalhar com o mesmo material. Isso facilita a formatação de cursos de treinamento de professores. Em Itapeva, a Secretaria tem um centro de formação de professores que trabalha junto com a equipe de educadores do sistema. "O grande desafio, independentemente do material usado, continua sendo a formação do professor", diz Selma Cravo, secretária de Educação de Itapeva, que também usa o livro didático, mas para as séries iniciais do ensino fundamental. A cidade está entre as melhores notas do Ideb de sua região.



O argumento pedagógico por trás dessa estratégia é que, quando há alinhamento entre o conhecimento do professor e o conteúdo do material didático, o desempenho do professor melhora. "As apostilas não são perfeitas", diz Paulo Magri, secretário municipal de Novo Horizonte, São Paulo, que as usa desde 2005. "O que faz diferença é acompanhar o desempenho das escolas e dos professores." Novo Horizonte tem o segundo melhor Ideb de 5a a 8a série do Estado e o quinto do país. Nas séries iniciais, sua nota é 6,5, maior do que a meta para 2021. Isso funciona também para quem usa o livro didático. Em Jacareí, que usa o material do MEC, o secretário de Educação emplacou uma resolução municipal para garantir que todas as escolas encomendassem ao governo o mesmo livro didático para cada série e cada disciplina. A escolha foi feita em um fórum com todos os representantes das escolas municipais, que levaram a plenário as escolhas de seus professores. "O ganho no gerenciamento pedagógico é gigantesco", diz o secretário João Roberto de Souza. A melhora de Jacareí no Ideb neste ano foi acima da média nacional.



Para muitos educadores, isso também é discutível. "A formatação das aulas para melhorar o uso do tempo dentro da sala é uma resposta pedagógica pobre para o aprendizado", diz Romualdo Portela, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). O grande receio é em relação à padronização do ensino. "O risco é ignorar as diferenças entre escolas e dentro de uma mesma escola", diz Theresa Adrião, da Faculdade de Educação da Universidade de Campinas (Unicamp). Theresa pesquisou o avanço do uso dos sistemas de ensino nas escolas municipais de São Paulo e chegou a uma conclusão oposta à dos gestores que defendem as apostilas. "O desempenho do professor é prejudicado. Quanto mais o professor for "desresponsabilizado" de sua tarefa, dado que tudo vem programado por terceiros, menos dele a sociedade poderá exigir."



O que todos parecem concordar é que as apostilas não são a solução definitiva para melhorar a qualidade do ensino público. Não há casos em nenhum lugar do mundo de países que melhoraram sua educação usando materiais estruturados. "É claro que é um remendo", diz Paula, da Fundação Lemann. Mas, enquanto o país, o Estado e os municípios não investirem o suficiente na formação para professores e gestores da educação, é natural que as redes de ensino busquem o razoável para combater o péssimo. 

Um comentário:

  1. O ministro da Educação, que apresentou os projetos prioritários para o setor, disse que, independentemente da discussão dos vetos dos royalties, é preciso ter disposição para discutir o investimento da arrecadação do petróleo na educação. A aplicação desse dinheiro no setor está prevista na MP dos Royalties (MP 592/12), que está sendo discutida por uma comissão especial.
    “Isso vai mudar a história da educação do Brasil”, acredita Mercadante. “Seguramente, é o maior legado que a gente pode deixar para as futuras gerações, e nenhum país se desenvolveu sem educação em tempo integral, sem valorizar os professores e sem ter uma educação universal de qualidade.” Chegou o momento de nossos representantes legais nos municípios e estados saírem do discurso para prática e apoiarem esta causa que já tem mais de meio milênio no Brasil.

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